Ideação Suicida e Predisposição Gnóstica: A Superdotação e o Acúmulo de Distúrbios Mentais na Fase Adulta

Ideação Suicida e Predisposição Gnóstica: A Superdotação e o Acúmulo de Distúrbios Mentais na Fase Adulta

habilidade s.f. (1538) 1 qualidade ou característica de quem é hábil 2 aquele que possui maestria ou bom conhecimento em determinada área 3 aptidão para resolver problemas 4 qualidade de quem é ágil e tem destreza

gnose s.f. (1873) 1 conhecimento esotérico da verdade espiritual 2 combinação de mística, sincretismo religioso e investigação filosófica acerca de doutrinas relacionadas à libertação do espírito 3 ação de conhecer; conhecimento, ciência, sabedoria 4 doutrina atribuída a Jesus após a descoberta de manuscritos apócrifos em Qumran, na Cisjordânia

1. INTRODUÇÃO

Toda mudança significativa na história humana teve como arquiteto algum indivíduo com características excepcionais, muito acima da média de seu tempo – impulsionado, muitas vezes, por uma motivação infinita, atribuída à origens divinas.

Essa motivação divina foi historiografada por figuras como Ragnar Lothbrok (século IX), Avicena (século X), Juan Hispano (século XII) e Momochi Sandayu (século XVI), dentre outros, enquanto as características excepcionais foram estudas pela primeira vez em 1904, por Alfred Binet e Théodore Simon, quando desenvolveram o primeiro teste de Quociente de Inteligência (QI), na França.

Atualmente, as neurociências dão base para o estudo das Altas Habilidades e Superdotação, através da neuropsicopedagogia, por exemplo, como já ensaiam o diálogo com a Psicologia Analítica de Carl G. Jung, que traduziu o conhecimento antigo acerca da Predisposição Gnóstica e a motivação divina para linguagem moderna.

Entretanto, o que é ainda muito pouco explorado, é o feedback negativo que indivíduos com Altas Habilidades e Superdotação recebem ao expor suas idéias, justamente por possuírem um raciocínio muito acima da média estatística e conviverem com pessoas que estão “dentro da curva”. É esse deslocamento social, quando acumulado por anos, que pode eclodir como Ideação Suicida, sugerindo alguma ligação entre as Altas Habilidades e Supertodação e a Predisposição Gnóstica, já que esta última também se evidencia pela vontade de “sair do mundo criado”, de “ir embora”.

Desse modo, a seguir, vamos analisar as principais características das Altas Habilidades e Supertodação e da Predisposição Gnóstica, através das Categorias Pessoal e Mística, respectivamente, destacando os efeitos do feedback negativo na vida dos indivíduos com esses traços e concluindo se existe relação direta entre essas duas classificações tipológicas.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Categoria Pessoal: As Características das Altas Habilidades a Superdotação

Indivíduos com capacidade intelectual elevada frequentemente encontram-se em uma jornada solitária de busca por conhecimento. Essa busca incessante por aprendizado e compreensão, embora refletindo um dom extraordinário, muitas vezes os confronta com uma estigmatização social, pois são etiquetados notadamente como “sabe-tudo” e sua sede de conhecimento, inclusive de base neurológica, é muitas vezes interpretada como arrogância ou falta de humildade, assemelhando-se à aristocracia espiritual autoatribuída pelos gnósticos.

O talento acadêmico específico é uma marca indelével dos indivíduos com Altas Habilidades e Superdotação. Caracteriza-se por um desempenho excepcional em áreas específicas, algo semelhante ao hiperfoco do Transtorno do Espectro Autista, mas sem a perda da capacidade de comunicação. Mesmo se distinguindo de seus pares, geralmente desde a infância, é patente que cuidadores e professores, por falta de preparo ou disposição, não reconheçam a necessidade que a criança com Altas Habilidades e Superdotação possui por desafios intelectuais mais avançados, desencorajando-os a desenvolver sua área natural de interesse e frustrando seu dom, sua inclinação inata, o que é, inclusive, outra característica comum com a Predisposição Gnóstica.

O pensamento criativo é uma habilidade que define muitos indivíduos superdotados, manifestando-se na capacidade extraordinária de forjar ideias originais, abordar problemas de maneira inovadora e conceber soluções únicas. No entanto, essa mesma capacidade pode ser a fonte de um profundo isolamento, quando a reação dos outros, que pode variar de bullying à exclusão social, agrava a sensação de não pertencimento em indivíduos que já se viam, naturalmente, distintos dos demais. Essa sensação de diferença, mais uma característica comum à Predisposição Gnóstica, embora possa ser uma fonte de motivação e uma janela para inovação, também pode levar a sentimentos de solidão e incompreensão, gerando um Desamparo Existencial, que é a ante-sala do Desespero Suicida.

A capacidade de expressão nas Altas Habilidades e Superdotação ultrapassam os limites racionais, extravasando para as artes visuais, música, dança e literatura. Esses dons permitem que tais indivíduos consigam se comunicar de maneira que transcendam a linguagem falada, transmitindo mensagens de maneira muito mais profunda. Porém, é nítido que, ao “sair da caixa”, o artista com altas habilidades frequentemente enfrenta uma pressão para conformidade, que pode emergir desde o círculo familiar, passando pelo social e até o escolar, abafando sua autenticidade criativa. Entretanto, uma vez suportada essa pressão e sendo possível o desenvolvimento de todo seu talento, esse indivíduo tem o potencial para contribuir significativamente com a sociedade, pois, do mesmo modo que aquelas com Predisposição Gnóstica, possuem a capacidade de enxergar além do horizonte de eventos comum à maioria.

Podemos concluir, parcialmente, que o indivíduo com Altas Habilidades e Superdotação possui uma proeminência natural, neurológica , antes os demais. Sua a capacidade intelectual, talento acadêmico e artístico, somado ao pensamento criativo, evidenciam uma habilidade natural para liderança, pois consegue vislumbrar um caminho individual rumo às soluções coletivas. O que pode castrar essa habilidade é o feedback negativo – a estigmatização da sede de conhecimento, o desencorajamento da exploração intelectual, o isolamento social e a pressão para conformidade – que se resume na falta de reconhecimento e na ausência de suporte às suas necessidades únicas.

2.2 Categoria Mística: A Predisposição Gnóstica Característica

A Predisposição Gnóstica característica engloba uma busca incessante por conhecimento esotérico, não-racional. Essa busca é movida pela convicção de que existe uma sabedoria oculta capaz de revelar verdades mais profundas sobre a natureza da realidade e da existência humana, refletindo a tendência a explorar domínios que ultrapassam o tangível e o material. Entretanto, em um mundo cujo materialismo mais baixo se sobrepões à valores mais elevados, os indivíduos que apresentam uma forte Predisposição Gnóstica acabam se destacando “negativamente”, sendo rotulados como “esquisitos” por pessoas que perderam sua capacidade metafísica. Assim, é nítida a semelhança entre as Altas Habilidades e a Predisposição Gnóstica, tanto na busca por conhecimento como na estigmatização social dessa mesma busca.

Indivíduos com Predisposição Gnóstica exibem uma intuição bastante desenvolvida, o que lhes permite acessar níveis de conhecimento e ter uma compressão do todo que parece ultrapassar as fronteiras da lógica e da racionalidade convencionais. Porém, justamente por terem a tendência de romper com o já estabelecido, podem sofrer de um “freio social”, uma espécie de proteção que o próprio inconsciente coletivo ativa, como que uma barreira sutil, que tolhe essa capacidade perscrutar o vazio. Este tipo de intuição é muitas vezes o motor que impulsiona a busca por conhecimentos mais profundos, tanto intelectual como espiritual, inclinação inata que aproxima, novamente, a Predisposição Gnóstica das Altas Habilidades e Superdotação.

O sentimento de não pertencimento é uma sensação persistente de estranhamento ou desajuste em relação ao mundo material e suas estruturas sociais e culturais. Não se trata de uma preferência por solidão, mas uma condição existencial, onde esses indivíduos percebem e interagem com o mundo de uma maneira distinta da norma estabelecida. Esse sentimento de desencaixe pode evoluir para um isolamento social tangível, principalmente se o feedback negativo for severo e acompanhado de uma flagrante incompreensão das necessidades emocionais distintas desses indivíduos, criando um ciclo vicioso que visivelmente agrava o sentimento de solidão e o Desamparo Existencial, logo, o Desespero Suicida – o mesmo que acontece com as Altas Habilidades e Superdotação, quando não são reconhecidos e acolhidos.

Indivíduos com Predisposição Gnóstica são frequentemente inclinados a terem experiências que transbordam os limites do ordinário, vivenciando momentos que podem ser classificados como místicos, espirituais ou transcendentais. Essas experiências são profundamente reveladoras, proporcionando uma sensação de conexão com realidades que escapam à percepção comum. Contudo, a pressão para conformidade pode ser um obstáculo significativo para aqueles que vivenciam o mundo de maneira tão única, que ao serem pressionados por pares e familiares, podem abandonar suas paixões e questionamentos íntimos, sendo levados a um sentimento de frustração e perda. Do mesmo modo que acontece com os superdotados, todo um potencial único para contribuições coletivas pode ser reprimido, por conta do medo e despreparo dos neurotípicos, das pessoas com “cérebros normais”, que não acompanham a profundide da experiência mística de quem possui uma forte Predisposição Gnóstica.

Conclui-se então, novamente de modo parcial, que o indivíduo com Predisposição Gnóstica exibe uma tendência a questionar o entendimento literal ou exclusivamente racional da existência humana. A busca por conhecimento esotérico com uma intuição bastante desenvolvida, associada ao sentimento de não pertencimento e reforçado por profundas experiências místicas, o colocam numa posição de crítico ferrenho do materialismo, por entender que este propicia uma visão de mundo limitada, muita aquém das realidades que consegue alcançar. Entretanto, o feedback negativo que recebe, seja pela estigmatização da sua sede de conhecimento esotérico e exploração intelectual, seja pelo isolamento social decorrente da pressão para conformidade, pode gerar uma falta de reconhecimento e suporte que tais indivíduos necessitam para voar voos mais altos, deprimindo assim suas capacidades, potencialidades e personalidades.

3. CONCLUSÃO

De acordo com Carl G. Jung, os neurotípicos nascem com a predominância de uma função psicológica possível – sensação, sentimento, pensamento ou intuição – podendo integra-las, no decorrer da vida, num centro comum, numa quintessência chamada de função transcendente, cuja jornada recebe o nome de Processo de Individuação. Entretanto, considerando as características comuns às Altas Habilidades e Superdotação e a Predisposição Gnóstica, podemos inferir que as funções psicológicas desses indivíduos já vem “semi-integradas” desde o nascimento, acompanhando apenas o desenvolvimento natural da fisiologia cerebral. Teríamos assim o Tipo Psicológico Transcendente, o indivíduo com Altas Habilidades, Superdotação e Predisposição Gnóstica, o público-alvo da Guerra Brasílica.

Em síntese, esses indivíduos possuem uma habilidade natural para liderança, focada principalmente na crítica ao materialismo, especialmente no combate contra como ele se apresenta na pós-modernidade, um materialismo cego e politicamente correto. Assim, o Tipo Psicológico Transcendente seria aquele que, agora e durante toda a história humana, apresenta-se como o arquiteto de mudanças significativas na sociedade, iniciador de movimentos, revoltas, impérios, idéias e religiões.

Conclui-se, especificamente, que existe uma relação direta entre as Altas Habilidades e Superdotação e a Predisposição Gnóstica, em função de suas características semelhantes e obstáculos idênticos, podendo serem encaradas como as facetas extrovertida e introvertida, respectivamente, da mesmo tipologia: o Tipo Psicológico Transcendente, cuja impulso natural por excelência, é o desenvolvimento pessoal.

Vale lembrar que, quando a falta de reconhecimento de suas potencialidades é crítica, especialmente na infância, pode ocorrer uma alienação progressiva até a fase adulta, uma fuga da realidade que perpassará por todos os sintomas da Síndrome dos 5Ds, chegando até ao Desespero Suicida, cujo remédio é a implementação de um Modo de Vida Estratégico, de viver daquilo que se tem tesão de fazer na vida.

Por fim, as Altas Habilidades e Superdotação e a Predisposição Gnóstica possuem uma relação direta, apresentando-se, inclusive, como traços complementares do Tipo Psicológico Transcendente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABAD, Alberto. Altas Habilidades e Superdotação: um Olhar para o Desenvolvimento Cognitivo, Ajuste Emocional e seus Impactos na Vida Profissional. Curitiba: Foco, 2016.

FERRAZ, Gabriel G. O Dasein como Ethos. Porto Alegre: PUCRS, 2020.

KIERKEGAARD, Soren. O Conceito de Angústia. Petrópolis: Vozes, 2013.

LIMA, Luana. Repensando o Suicídio: Subjetividades, Interseccionalidade e Saberes Pluriepistêmicos. Salvador: Scielo-EDUFBA, 2022.

MOYANO, Felipe. Fundamentos da Sabedoria Hiperbórea. Córdoba: Kraken, 1982.

OLIVEIRA, Juliana. Contribuições da Teoria da Desintegração Positiva para a Área de Superdotação. Juiz de Fora: Scielo, 2015.

SOLOMON, Andrew. O Demônio do Meio-Dia: Uma Anatomia da Depressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

VIRGOLIM, Angela. As Vulnerabilidades das Altas Habilidades e Superdotação: Questões Sociocognitivas e Afetivas. Brasílica: Educa, 2021.